Qual o primeiro tema a abordar no meu blog? Qual texto?
Esta dúvida me tomou por tanto tenpo, que criei o blog e ele permaneceu vazio, inativo, a espera de inspiração... difícil, muito difícil...
Os assuntos são tantos, e eles surgiam, mas me parecia que o primeiro teria que ser especial, e assim várias ideias foram ficando para alguma postagem posterior, pois não me agradavam para a inauguração.
Finalmente, me veio a ideia de compartilhar um pouquinho do meu mestrado, "Catálogo de Incunábulos da Biblioteca Vinária de Juan Carlos Reppucci", defendido em 2009, na História Social (FFLCH-USP), sob a orientação da Profa. Dra. Ana Maria de Almeida Camargo.
O excerto que se segue faz parte da abertura do trabalho, páginas 10 a 12.
Espero que gostem!
Os Incunábulos
Incunábulo é o termo utilizado para
designar qualquer manifestação primitiva de arte ou atividade; indica início,
começo, berço. Em relação aos livros, emprega-se a mesma terminologia para
referir-se aos primeiros livros publicados em um país ou em uma língua; o uso
mais comum, porém, refere-se aos primeiros livros impressos. É esta a definição
que adotamos neste trabalho: incunábulo é toda obra impressa da origem da
imprensa até o dia 1º de janeiro de 1501, independentemente de país ou língua.
Os incunábulos são os precursores do
livro como hoje o conhecemos; representam a evolução da arte da impressão até
atingir a sua maturidade, a transição das tradições artísticas e eruditas para
métodos mais modernos e profissionais. Os primeiros incunábulos se assemelhavam
aos manuscritos: não havia nenhuma informação na primeira folha, os tipos
imitavam a caligrafia da época, inclusive nas ligaduras e abreviações.
Na Alemanha, no final do século XV,
é que alguns ateliês ou oficinas, como a de Anton Koberger (Nuremberg), Johann
Grüninger (Estrasburgo) e Peter Drach (Espira), começaram a mecanização do
processo de impressão, apesar de não se desvincularem totalmente da concepção
erudita e artística (característica dos incunábulos). Os demais ateliês estão
nesse momento ainda muito atrás, e para eles o período poderia se estender até
a Reforma (primeiras décadas do século XVI).
Na Itália, Veneza, por ser o centro
comercial da Europa, teve sua imprensa rapidamente desenvolvida e já se poderia
falar no final do período incunábulo em 1480, diferente das demais cidades
italianas onde a evolução tipográfica foi mais lenta. Mas com a introdução da
tipologia itálica por Aldo Manuzio, em 1501, reafirma-se o surgimento de uma
nova era para a arte tipográfica e confirma-se a data de 1500 para o fim dos
incunábulos.
O mesmo acontece na França: em
Paris, a evolução da arte de imprimir, embora mais lenta que a de Veneza
(meados dos anos 1490), foi muito maior que a de outras cidades. Espanha e
Inglaterra não tiveram centros de destaque onde a arte da imprensa se
desenvolvesse mais que no âmbito provinciano, como no caso de Veneza ou Paris.
Assim, em muitos casos, poder-se-iam considerar incunábulos os livros impressos
até 1550, dado o desenvolvimento tardio da tipografia, com a presença de
características da imprensa primitiva.
Pode-se questionar a escolha da data
limítrofe, uma vez que o desenvolvimento foi diferente de um país para outro, e
mesmo entre as suas cidades, mas o ano de 1500 é hoje aceito por determinar uma
data intermediária da evolução da imprensa em diferentes países e ser um limite
apropriado para a Alemanha, país de origem da imprensa.
O interesse pelo estudo dos
primeiros livros impressos não é recente: Haebler considera 1640 como o ano do
nascimento da incunabilística, quando, por ocasião da comemoração dos duzentos
anos da invenção da imprensa, em várias cidades alemãs toma-se a iniciativa de catalogar
estas primeiras obras. Em 1643 surge o apêndice de Johann Saubert com 825
incunábulos da Biblioteca de Nuremberg; em 1653 a obra de Philippe Labbé
apresenta um suplemento com 1289 incunábulos da Biblioteca Real de Paris e é
quando o termo incunábulo é utilizado pela primeira vez associado à imprensa;
depois destes trabalhos seguem-se outros repertórios, cada vez com número maior
de obras e gradativo avanço nas informações bibliográficas.
No final do século XVIII e início do
XIX os Annales de Panzer
(os incunábulos são organizados pela primeira vez por países e local de
impressão, ordenados cronologicamente, e com indicação da localização ou da
origem da fonte de informação) e o Repertorium
de Hain
(através da descrição textual detalhada do Incipit
e Explicit, e de notas descritivas quanto a
formato, tipo de letra, composição etc, fornece pela primeira vez uma
identificação indiscutível dos incunábulos que teve em suas mãos) foram
revolucionários e ainda hoje são base para o estudo dos incunábulos.
A partir de Hain, que havia
registrado 16.299 obras, diversos catálogos surgiram com enfoque centrado em
oficinas tipográficas, cidades, regiões ou acervos específicos; mas são os
suplementos de Copinger e
Reichling
com suas correções e acréscimos significativos à obra de Hain que se tornam
essenciais para os incunabilistas, juntamente com as novidades apresentadas
pelo Index idealizado por Proctor (o
mérito de Proctor não se deu pela sua descrição do acervo, que não foi
profunda, mas pelo método desenvolvido, agrupando as obras por lugares e
impressores) e pelo Typenrepertorium
de Haebler
(minucioso estudo dos tipos utilizados nos incunábulos). A lista de obras de
referências se estende e não vamos nos prolongar neste tema já que em nosso
catálogo muitas delas são citadas e comprovam sua utilidade, mas esta sucinta
apresentação histórica da incunabilística nos parece fundamental para mostrar a
complexidade do tema que ainda possibilita tantas pesquisas e descobertas.
Encerramos estes apontamentos, registrando dois catálogos unificados de extrema
importância, a saber:
1) Gesamtkatalog der Wiegendrucke (GW): projeto que se iniciou através
da criação na Alemanha de uma Comissão em 1904 para inventariar as coleções
alemãs, e posteriormente com a participação de outros países para a criação de
um repertório unificado dos incunábulos; entre os anos de 1925 e 1940
publicaram-se sete volumes, publicação interrompida com a eclosão da Segunda
Grande Guerra; hoje esse projeto dá nome ao banco de dados disponível na
internet, oferecendo 36.000 descrições de incunábulos e é um trabalho ainda em
andamento.
2) Incunabula Short-List Catalogue (ISTC): banco de dados também
disponível na internet e que vem sendo desenvolvido pela British Library desde 1980,
tendo 29.777 edições arroladas até janeiro de 2008. Apesar de não descrever as
obras, fornece referências
bibliográficas que possibilitam a identificação complementar do exemplar e
localização dos exemplares conhecidos.